sexta-feira, 5 de novembro de 2010

E agora Dilma? O que esperar da nova Presidenta


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Nós já vimos isso antes. Uma nova presidente prepara-se para tomar posse no Brasil, e os analistas de mercado temem que ela esteja prestes a deslocar o país para a esquerda. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido como Lula, foi eleito pela primeira vez em 2001, algumas pessoas temiam que ele e o seu Partido dos Trabalhadores demonizasse o setor privado, dificultasse a vida dos investidores estrangeiros e competisse com o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, para se tornar o principal incitador populista da América Latina.

Porém, a imagem de Lula como ideólogo furibundo jamais se materializou. Ele conquistou essa reputação de homem do povo atuando como um duro negociador trabalhista, um fazedor de acordos e não de discursos. Apesar da sua retórica populista de campanhas anteriores e fracassadas pela presidência, Lula cumpriu grande parte das promessas que fez durante a eleição de 2002 no sentido de implementar políticas simpáticas ao mercado.

Não há dúvida de que ele aumentou a influência do Estado em determinados setores, e o ritmo de gastos governamentais foi acelerado. Mas o legado de Lula se baseará no fato de ele ter feito com que a esquerda brasileira chegasse a um consenso favorável em relação a políticas que encorajam o crescimento do setor privado, atraem investimentos estrangeiros e obrigam o governo a controlar a inflação. Essa foi uma grande contribuição de Lula para o futuro do seu país.

O sinal mais nítido do sucesso de Lula será presenciado em 1º de janeiro de 2011, quando ele passar a faixa presidencial à sua ex-chefe de gabinete, Dilma Rousseff. Atualmente existe o temor de que a nova presidente mostre-se mais ativista do que o seu predecessor e prejudique o crescimento do país com uma interferência estatal mais pesada durante o próximo estágio do desenvolvimento brasileiro. É verdade que o Estado desempenhará um papel maior em certos setores, e é improvável que Rousseff contenha os gastos tanto quanto muitos economistas gostariam. Mas, conforme ocorreu com Lula oito anos atrás, esses economistas subestimam o pragmatismo de Rousseff, o realismo dos seus assessores e o potencial para uma abordagem que seja genuinamente favorável ao mercado capitalista.

Rousseff e muitos membros do seu círculo interno de relações acreditam que Lula tenha sido o responsável por auxiliar o Brasil a atravessar a crise financeira global com menos problemas do que aqueles que foram presenciados na Europa e nos Estados Unidos. Rousseff e o seu principal assessor, Luciano Coutinho, desempenharam um papel nesse sucesso, e é improvável que eles mudem de opinião quanto a essa questão.

É por isso que Rousseff dará continuidade aos planos iniciados por Lula no sentido de envolver o Estado mais profundamente em alguns setores fundamentais. Essa tendência será mais evidente no setor petrolífero, à medida que o governo aumentar o controle sobre os vastos campos marítimos de petróleo do país. Rousseff pretende substituir o atual sistema de concessões para a exploração e a produção de petróleo no mar por acordos de compartilhamento de produção que tornam a Petrobras, a companhia brasileira estatal de petróleo, a única operadora a contar com um mínimo de 30% de participação financeira em todos os projetos.

O novo governo também implementará planos para incrementar o controle estatal sobre o setor de mineração com a criação de uma agência reguladora e mudanças a área fiscal. Uma política industrial ativista implementada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento não será desativada, e Rousseff provavelmente também aumentará a influência do Estado nos setores de fornecimento de água e energia elétrica, bem como no de telecomunicações. Novas restrições à posse de terra por estrangeiros serão manchetes na mídia.

Além disso, Rousseff procurará reduzir o recente crescimento de gastos governamentais, apesar dos desejos dos seus assessores. Durante os últimos 15 anos, o medo de choques econômicos dominou a política do país. Autoridades do governo podiam justificar a necessidade de medidas austeras advertindo que um aumento súbito de gastos poderia gerar inflação, uma crise de confiança e um caos econômico.

Mas os sucessos dos últimos anos fizeram com que a aversão aos riscos diminuísse muito. A relação entre a dívida e o produto interno bruto do Brasil deverá cair, e atualmente os investidores têm poucas preocupações quanto à solvência do país. A austeridade é algo difícil de se propor em tempos favoráveis, especialmente para as autoridades públicas, que sabem que uma redução de gastos quase sempre tem custos políticos.

Mas, assim como Lula oito anos atrás, Rousseff e a sua equipe surpreenderão favoravelmente os investidores de várias maneiras importantes. Os sucessos da presidência de Lula fizeram com que as lideranças do Partido dos Trabalhadores – incluindo Rousseff – tivessem um entendimento melhor das recompensas resultantes das políticas simpáticas ao mercado capitalista. A equipe governamental reconhece que a manutenção da inflação em patamares baixos é um fator crucial para o sucesso político e econômico do Brasil de hoje. Atualmente os consumidores brasileiros estão desfrutando de uma explosão de crédito, e a equipe de Rousseff sabe que os mercados de capital não podem se enraizar a menos que os credores possam receber garantias de que receberão o que emprestaram.

Nós não esperamos reformas trabalhistas ou da previdência, mas Rousseff provavelmente implementará uma reforma fiscal – a única reforma de peso que pode passar pelo congresso. O governo dela provavelmente implementará uma séria de reformas modestas para encorajar o setor privado a investir em grandes projetos de infraestrutura. Com a Copa do Mundo de Futebol (2014) e os Jogos Olímpicos (2016) no Rio de Janeiro, a equipe de Rousseff sabe muito bem que o investimento privado em estradas, portos e novos imóveis comerciais nunca foi tão importante como agora. Finalmente, o popular ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ajudará a nova presidente a definir a sua agenda e a construir uma estratégia legislativa.

A moral dessa história é que o Brasil transformou-se em um mercado emergente cada vez mais complexo. A política brasileira evoluiu para bem além das caricaturas de esquerda e direita, e atualmente o país desfruta um período inicial de prosperidade e autoconfiança cada vez maiores. Os desafios que há pela frente são formidáveis, e o sucesso econômico frequentemente conduz a opções que nem sempre são ideais. Mas a política da nova liderança sugere que a próxima geração de líderes brasileiros poderá estar mais à altura da tarefa do que muitos especialistas acreditam.

(Ian Bremmer é presidente do Eurasia Group, uma empresa de consultoria de risco político. Christopher Garman é o principal analista do grupo para questões referentes ao Brasil).

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