O sono mastiga e deglute memórias
É do rabino Menachem Schneerson (1902-1994) a constatação de que, se não fosse o sono, não haveria amanhã e a vida se resumiria a um hoje contínuo. Se a pausa periódica na vivência da realidade externa dá unidade ao passar do tempo, também opera transformações notáveis na realidade interna.
A cada noite o sono mastiga e deglute as memórias novas, esquecendo algumas e transformando outras em memórias maduras, distribuídas pelo cérebro e articuladas a outras memórias mais antigas ainda, rebanhos de pensamentos em constante evolução.
O embate entre esquecimento e incorporação de uma nova memória depende da relação entre sua utilidade e o custo de carregá-la. Memórias derivadas de vivências aversivas são inscritas na circuitaria neuronal mais profundamente do que memórias de baixo teor emocional.
Quando uma memória se refere a uma situação realmente perigosa ou indesejável, pode ser útil carregá-la mesmo à custa de sustos na vigília e pesadelos ocasionais. Mas quando a memória não se refere a nada relevante, melhor mesmo é esquecer. Quantas coisas à primeira vista desagradáveis não se transformam, com o tempo, em palatáveis e até desejáveis?
Um experimento realizado por Matthew Walker e colaboradores da Universidade da Califórnia em Berkeley demonstrou há poucos meses que o sono de movimento rápido dos olhos, durante o qual sonhamos, facilita a atenuação da resposta a estímulos aversivos. Esse papel já havia sido previsto em hipótese, pois o sono frequentemente está alterado nos distúrbios psiquiátricos do humor. O novo estudo utilizou a ressonância magnética functional para medir a atividade da amígdala, uma estrutura cerebral envolvida na valoração de experiências aversivas, durante a apresentação de imagens desagradáveis. Duas sessões de imageamento foram realizadas, antes e depois de um período de sono monitorado eletroencefalograficamente.
Os resultados apontaram uma diminuição das respostas da amígdala após o sono, com uma queda correspondente na reação comportamental às imagens aversivas. Além disso, o sono promoveu um aumento da conectividade functional entre a amígdala e o cortex pré-frontal ventromedial. Outro achado importante do estudo é a correspondência íntima entre tais efeitos e a queda da atividade de alta frequência (>30Hz) no cortex pré-frontal durante o sono de movimento rápido dos olhos. Essa atividade serve como marcador eletrofisiológico de transmissão adrenérgica. Em tese, isso pode contribuir paradiminuir a hiper-reatividade da amígdala a estímulos aversivos, causando uma habituação da resposta comportamental ao estresse.
Os resultados podem ter implicações para o tratamento da síndrome do estresse pós-traumático, em que o sono é invadido por pesadelos recorrentes a respeito de perigos que já não existem na realidade. Se uma das várias funções do sono é apaziguar os fantasmas do passado, talvez o sonho seja mesmo a arena mais adequada para sublimar o trauma.
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